29 de abril de 2008

2006, também

sou número quadrado, escondido.
raiz e teto e parênteses — fechado.

***

somamos números ímpares.
matrizes, máximos, cálculos...
pouca divisão entre colchetes.
multiplicação exagerada, menos!

***

difícil operação aritmética:
um e um,
somos.

27 de abril de 2008

da superioridade, da fatuidade e da gota de lástima que cai no rosto do leitor

sou
sobre
vida.
piso
sobre a
sobra.

26 de abril de 2008

na boca do sapo

um sapo bocudo, mané,
de papo inchado, cê qué?
na goela seu nome, um papé?!

num mexe comigo, num mexe,
num canto quietinho, me deixe,
depois, zé mané, num se queixe...

provoca o pai véio, malaco.
seu nome na boca do sapo,
em duas semanas te mato.

magrelo cê fica, só osso,
com a vida no fundo do poço.
não procure a morte, meu moço...

e o bicho estribucha bonito!
coitado, calado, sem grito,
de fome, de sede, aflito.

então sai de banda, escoa,
que a minha mandinga é das boa
e os sapo tão lá na lagoa...

24 de abril de 2008

Queimem, queimem,
cartas perfumadas do meu amor
há tanto tempo escritas
apaixonadas
do meu amor.

Queime, queime,
aliança de noivado do meu amor
de ouro fino, cravejada
no anelar
do meu amor.

Queimem, queimem,
calcinhas esquecidas do meu amor
fio-dental, comestíveis
na gaveta
do meu amor.

Queimem, queimem,
cabelos cacheados do meu amor
virem cinzas, sumam!
mas eram o charme
do meu amor.

Queime, queime,
suave rosto do meu amor
olhos verdes, boca grande
chupeteira
do meu amor.

Queime, queime,
corpo delicado do meu amor
tanto abraço, tanto sexo
distribuído
do meu amor.

Queimem, queimem,
todas as lembranças do meu amor
ah, paixão, desapareça!
despedida
do meu amor.

21 de abril de 2008

Filipe e os gatinhos

Filipe tem gatinhos miando no estômago.
Pulando, arranhando, ronronando.
Os gatinhos machucam Filipe por dentro.
Ele resmunga, tadinho, soluça:
Tá doendo, mãe, faz parar...
E eles não param, arteiros.
Brincam na barriga de Filipe há três dias.
E vão brincar durante toda sua infância.

Mas quando Filipe tiver dez anos, vai matar todos os gatos da rua.

16 de abril de 2008

2006

Eu sou um dia de céu nublado.
Ela é um sol que brilha lascivo e me ilumina todo.

Ela é a Lua.
Toda minha, Lua.

14 de abril de 2008

Futebol

Na bola, a glória rolando na grama.
Nos pés, a chuteira e a benção de Deus.
No peito, as cores do sangue-brasão.
Na grama, as gotas do sonho e do êxtase.
No campo, a bola, os pés, as chuteiras, a benção de Deus, as cores, o sangue, a paixão.
Em mim, em você, na torcida, o grito e o delírio do instante, do chute, do alcance, do gol!

11 de abril de 2008

Lis

mote

na fumaça do cigarro
vem a ponta esbranquiçada
do desejo de ser leve


voltas

Numa quinta-feira, à noite,
de um inverno congelante,
encostada na parede
de um barzinho badalado,
ela acende o isqueiro e esquenta
todo o rosto, que se espalha
na fumaça do cigarro.

Fuma a tragos demorados,
distraída, com um jeito
todo seu de ser blasé;
séria, devolve as cantadas
com o olhar esbraseado
do desprezo, e do sarcasmo
vem a ponta esbranquiçada.

Ela quer apenas ser
como a fumaça que foge
livre, dispersa pelo ar,
pela noite, para sempre...
Então, dá a última tragada
e enche o peito oprimido
do desejo de ser leve.

3 de abril de 2008

Crítica a Vanguarda Impressionista

Monet,
Manet,
Mané.

31 de março de 2008

1º Prêmio

Adiante, um haicai que eu fiz para participar do Concurso Nacional de Haicai Nempuku Sato. Esse concurso pagará três mil reais ao primeiro vencedor, que, com certeza, seria eu, se não precisasse de um único poemazinho para fechar a série desse mês de março. Como, na minha cabeça, terminar o mês com dez poemas é mais importante que qualquer prêmio que eu possa receber, desisto da remuneração e transcrevo as três linhas seguintes vendo escorrer pelo teclado mil reais a cada clique no Enter.



verão ardia em mim
sequei seu sol febril com
paracetamol

28 de março de 2008

Soneto do Nego Safado

"Loirinha, cafungada do negão é um problema!"
Raça Negra

Meu preto lindo, forte e saboroso,
me pega agora e cheira meu cangote.
Seus lábios grossos falando ao meu ouvido
me arrepiam e me deixam toda mole.

Seu braço negro, mais escuro que o ébano,
segura-me a cintura com vontade
de, a noite inteira, me fazer gemer
debaixo do seu corpo enorme e forte.

Mas solta logo que o pagode acaba;
me deixa no desejo de ser sua,
ainda rebolando o fim da música.

Você, meu nego, vai atrás de outra saia
que dance e fácil se entregue ao seu charme
e nunca o esqueça, meu preto safado!

25 de março de 2008

gordinha

gordinha de rosto redondo a brilhar sob o sol da manhã,
seus olhos de amêndoa, pequenos, inchados, me fazem sorrir.
a boca que enfeita sua face me encanta, se come a estourar;
se enche a barriga, tão lisa, tão mole, me explodo em tesão.

saudável é seu beijo de almoço, de lanche, de doce ou jantar.
gostoso é abraçar, é pegar o seu corpo pesado, um barril.
desejo passar toda a vida ao seu lado, gordinha, meu bem,
gastar meu salário cevando você, minha eterna paixão!

23 de março de 2008

infâmia!

ai, não!
cortem minha mão!
me estrangulem
mas evitem que as rimas pobres
(que essas cínicas rimas fáceis),
como limas podres,
desçam pelo pescoço,
pela veia ou pelo osso (!),
e caiam, esbagaçadas,
conjugadas no mesmo tempo
e modo verbal,
de mesma classe
gramatical,
e rolem pelo papel,
fedidas e esbagaçadas,
repetidas e repetidas,
para sempre!

18 de março de 2008

saudade I

saudade é uma parede
verde, de um erva-doce,
suave, nua, iluminada,
que estivesse, talvez, num hall,
num corredor, e não tivesse
em si aquilo que nunca
deveria faltar:
um espelho,
bem no centro.

14 de março de 2008

Auto-Estrada

Tem serpente
semelhança
de auto-estrada,

construída
pela ânsia
de mover-se

pela forma
infinita
e sinuosa.

De ansiedade
vibram guizos:
atropelo

nas escamas
de concreto
colorido

corre o espaço,
venenoso,
assassino.

A bocarra
escancara
em viaduto;

bifurcada,
se contorce
e raivosa a

cauda engole:
se transforma em
Oroboros.

precisamente

com trinta e cinco mil
quinhentas e quarenta e duas
cajadadas,
matei dois
coelhos.

29 de fevereiro de 2008

Dois Meses

Dois meses de blog. Nunca minha produção artística foi tão abundante. Devo ter escrito quinze poemas nesse ano. Em 2007 foram 7 ou 8. Muito bom. Para minha surpresa, porque não imaginei que manteria 10 postagens por mês. O blog tem servido e vai servir para isso, aumentar minha responsabilidade como artista, poeta. Bom. Outra função é me libertar do receio de exibir aos outros meu hobby; do medo de ser medíocre, de escrever mediocremente. Tá funcionando.

Além disso, agora, vou buscar outra coisa. Leitores. Porque, afinal, como um escritor comum, eu preciso e quero ser lido. Escrevo para mim, lógico. Mas como se eu fosse outro. Nada mais útil, então, que os outros que não existem em mim me leiam, me apreciem e me avaliem.

Algo que senti falta, no entanto, foi das discussões sobre a arte de escrever. Aqui só encontrei elogios. E eu sou vidrado em críticas. Mas já dei solução para essa minha necessidade.

Enfim, estou satisfeito, conhecendo pessoas interessantes e inteligentes, lendo mais, evoluindo meu estilo, minha técnica e entendendo os gostos (ou enxergando os rostos) da poesia contemporânea.

E é isso. =)

16 de fevereiro de 2008

Cão de Lata Atada ao Rabo

Ano Machado de Assis. Todo mundo sabe. Todo mundo prestigiará à sua maneira. A Flip vai homenageá-lo. Editoras vão lançar edições modernas e comentadas dos seus livros. Os jornais publicam artigos, crônicas, blablablá. Escolas vão forçar seus alunos a ler seus romances para passar de ano. E muita gente vai tirar algum livro do Machado da prateleira, nem que seja para folhear. Eu pretendo ler Helena, Brás Cubas, Quincas Borba e Memorial de Aires. Inéditos.

Não vou fazer comentário algum sobre a genialidade, o estilo, ou o corte de cabelo do Machado de Assis. Vou estrear o Ano com um poema que surgiu essa semana, baseado num conto que eu gosto muito — Cão de Lata ao Rabo —, e que me dava muita vontade de escrever algo sobre; dando ao mote, minhas voltas. O título está no nome da postagem.


Cão de lata atada ao rabo
se alegra com a evolução tecnológica dos produtos alimentícios.

Hoje, a lata de óleo não é mais lata,
é frasco de plástico;
molho de tomate agora imita
requeijão — que vem num copo.

E, daqui pra frente, cada vez mais,
azeite, goiabada, figo em conserva, refrigerante, cerveja, etc.
serão embalados e distribuídos
em copos, frascos, potes, garrafas e vasilhas
de vidro ou plástico.

Então, quando a lata no rabo do cão
se desatar,
será mais difícil encontrarem outra
que a possa substituir.

13 de fevereiro de 2008

Gustavo

Baixo, alto, baixo: a náusea de um vômito engolido, seguido de um chiado rasgado e um estalo aberto, escancarado, desarmônico, que termina raspando, irritante, no vômito contido nos lábios de quem chama.

O Vizinho Gordo

Hm. Fome. Acho que vou comer. Tem macarrão no armário. Mas não tem molho. Tem pão francês de ontem e maionese. Mas ele deve tá duro. Ou mofado. Pizza? Não. Não quero gastar. O chocolate acabou. Tem lasanha congelada. Mas é pro almoço de amanhã. Se eu almoçar na rua... Um cachorro-quente no tiozinho da esquina do trabalho. Mas eu não quero gastar. Mas cachorro-quente é barato. Mas eu não como de pé. Ou andando. Incomoda. Então, na lanchonete da esquina da rua de trás. Lá tem uma tvzinha barulhenta, até. E tem uma garçonete gostosa. Eu comeria ela. Comeria a moça do caixa também. Ela é muito magra, mas quem liga. O dono da lanchonete deve comer as duas. Japonês safado. Nem catchup ele coloca no balcão. Odeio sachês. Odeio aquela tvzinha barulhenta. Odeio aquele lugar. Amanhã, vou comprar uns biscoitos e correr pra casa. E sofrer de gastrite a tarde inteira. Quase onze horas, agora. Preciso tomar banho ainda. Acordo mais cedo amanhã e tomo. Hoje eu só jogo uma água no corpo. Eu posso almoçar na minha mãe. Ela pode me dar algum dinheiro. Aí eu vou ao mercado. Faz duas semanas que acabou o queijo. E a cerveja. Ou eu pago o pedreiro. E compro mais cimento pra reforma. Ele deve comer concreto no almoço. Aquele vagabundo. Sempre tá faltando cal, tijolo, arame. Pinguço. Ladrão. Se a minha mãe não morasse tão longe. Se eu for lá, chego atrasado no serviço. O trânsito é foda. E a velha reclama demais. Não tô a fim de ouvir as merdas dela. O queijo, o pedreiro, e a minha mãe esperam até o domingo. Se fosse na época da escola, era só roubar o lanche de algum moleque mais novo. Já era. Hm. Sono. E então. Como ou não como? Se eu for dormir, durmo com fome. Mas dormindo eu nem percebo. Só que acordo com o estômago no chão. Aí eu como o pão de ontem. Com maionese. E almoço lasanha. Em casa. É. É isso.

6 de fevereiro de 2008

Explicação

Os anjos são eunucos do Paraíso.
Paraíso não tem virgens, não é harém.

Os demônios foram expulsos porque faziam fio-terra.

3 de fevereiro de 2008

seu lábio
escorre
e salta
em riso.

vermelho
e denso,
tão úmido,
escorre.

molhado,
na pele
de rã
ou sapo,

seu riso
me encanta —
enorme
brejeiro.



*versão compactada especialmente para o blog. ^^

30 de janeiro de 2008

Noite de Lua Cheia

Vampiros descem voando em espirais.
Apossam-se do meu corpo e, ensaiando,
famintos, a ávida e trágica matança,
fazem meu sangue e meu corpo estraçalhado
jorrarem terríveis sob o luar.

O que resta, apenas, é a chuva vermelha
que pinga das ébrias garras assassinas
que levantam vôo cantando ruidosas maldições.

28 de janeiro de 2008

sorrir

é abrir os cantos da boca como braços
que se erguem alegres a esperar o enlaço
do amigo que se agarra ao pescoço como
gracejo ou elogio saído de outros lábios.

24 de janeiro de 2008

Lenda

Era o bicheiro mais conhecido da cidade.
Nunca perdia uma aposta. Não gastava um ás.

Um dia apareceu um desafiante
de bigode, chapéu, falador e tudo.
Ele derrotaria o bicheiro e passaria a mandar na cidade toda.

Colocaram as cartas na mesa.
O Bigode, blefador, pediu truco.

A cidade só viu o falador se enfumaçar
quando, triunfante,
o Bicheiro gritou furioso na orelha de um seis de paus.

20 de janeiro de 2008

Domingo

Numa manhã ensolarada de domingo, com pássaros piando e vizinho fazendo churrasco, eu tiro a camisa, abro uma latinha de cerveja, esvazio a latinha de cerveja e abro outra, pego o macaco e a chave de roda, suspendo meu Gol 97, troco as quatro rodas por quatro foguetóides supersônicos, tranco a casa, me despeço do vizinho, termino a cerveja, dou partida e acelero. Vou morar numa cidade flutuante.

18 de janeiro de 2008

a dança das aranhas

com a noite, aos pares
descem.
rodam, sonham, fingem,
tecem,
e, ao luar, um palco
pedem.

iniciam a dança.
flauta
docemente o vento
sopra;
e o úmido piano,
frio e
pesaroso orvalho,
chora.

passam toda a noite às
voltas,
as negras e harmônicas
sombras,

e os insetos ficam
tontos,
como mortos caem
tantos!
e, enlevados, dormem
quando
as aranhas dançam
tango.

16 de janeiro de 2008

Fuga em Si Menor para Gato de Rua

Pulou fugido do bolso falso de um malandro,
correu depressa pelas ruas arredias,
despistou-te com ajuda dos seus santos,
subiu num muro alto e,
todo cínico, se fingindo de inocente,
aninhou-se, ronronando à luz dos postes
e lambendo todo o espaço percorrido.

14 de janeiro de 2008

Bambolê

Quando minha mãe estava com nove
meses de gravidez e eu não dava sinais
de querer sair,
ela foi ao obstetra e ele lhe deu
um bambolê.

Disse, senhora, comece a bambolear.
Minha mãe, confusa mas submissa,
colocou o arco de plástico
na cintura e começou a remexer-se.
Saracoteia, saracoteia, saracoteia.
Quando menos esperava,
do meio das pernas dela
eu desci escorregando e dando risada da brincadeira.

10 de janeiro de 2008

Um prego

Ela corria de chinelos pela rua asfaltada. Sem pressa, distraída, corria para sentir a energia do seu corpo fluir pelas pernas magras e compridas. Era entardecer de quinta-feira e o céu colorira-se de vermelhos e amarelos que se misturavam e criavam uma bela e triste despedida para o sol quase ausente. Estava a quatro ou três metros do portão branco de casa quando pisou na calçada do vizinho gordo e solitário que reformava sua garagem e, imediatamente, sentiu uma dor terrível que enfiava, impiedosa, no seu pé esquerdo, um prego enorme que rasgou facilmente a maciez da borracha do chinelo e da carne branca do seu delicado pé.

Da dor seguiu-se um grito visceral, alto e agudo, que assustou e fez voar três pardais que se balançavam nos fios elétricos. O sangue derramava-se quente e ininterrupto pela calçada tomada de rachaduras e manchava, indolente, as plantinhas que brotaram dessas pequenas frestas. Ela, então, sentou no chão, pegou o pé ferido com as duas mãos e levou-o bem próximo aos seus assustados, mas curiosos, olhos castanhos. Segurou o prego torto e enferrujado, fechou os olhos franzindo todo o rosto, e, com um puxão, arrancou-o, fazendo jorrar ainda mais sangue pelo buraco no seu calcanhar. Assim que o prego saiu, jogou-o o mais longe que conseguiu (o que não é realmente longe) e xingou baixinho o vizinho gordo, bicha, retardado, filho-duma-puta.

O sangue a fascinava, mas, por não cessar, estava deixando-a preocupada. Pôs o indicador direito sobre o buraquinho e pressionou. Isso fez com que o sangramento estancasse, mas ela apertara mais do que deveria e o dedo entrou no buraco, alargando-o mais ainda. Assustada, destampou o furo e o sangue espirrou direto no seu rosto, entrou nos olhos e a cegou. Ela se desesperou e não conseguia se decidir se colocava de novo o dedo no buraco ou se limpava os olhos para voltar a ver. Percebendo que quanto mais demorasse a se resolver mais sangue perderia, tateando, enfiou com força o indicador no pé e depois esfregou o braço esquerdo no rosto, melecando-se mais ainda, porém tirando o excesso de sangue dos olhos e voltando a enxergar.

No entanto, por ter tapado o buraco com violência, o dedo inteiro entrara e o ferimento ainda vazava. O jeito seria colocar o dedo médio, e foi o que ela fez. Cuidando para não alargar demais o furo, foi enfiando devagar, até ele entrar todo. Achando tudo isso muito peculiar e ignorando a dor lacerante, quis juntar aos dois o anelar, mas esse não entrou facilmente e ela teve que forçar com a outra mão para introduzi-lo. Depois desse, o mindinho entrou escorregando. Sorriu.

Enquanto o céu escurecia, ela ia forçando e forçando até a mão inteira entrar no buraco do seu pé. Sentia seus dedos se mexendo dentro de si, tocando tendões e músculos e até conseguia vê-los na altura do tornozelo quando pressionava a pele com força. Então, deslocando a tíbia, empurrou todo o antebraço e parou no cotovelo. Já nem sangrava mais. Dobrou um pouco o braço e colocou a outra mão. Deitada na calçada do vizinho preparou-se para fazer um esforço descomunal e enfiar o braço esquerdo, mas ele entrou deslizando, como se estivesse ensaboado.

Para pôr a perna direita, ela afastou os braços e meteu-a bem no meio, abrindo caminho com o pé por músculos, ossos, tendões, veias e artérias, facilitando a entrada. Chegou à virilha exausta, toda suada, ofegante. Sentiu que seria a parte mais difícil de enfiar e que em seguida tudo entraria sem maiores dificuldades.

Arreganhou seu pé o máximo que pôde e foi entrando. Passou a bacia, a cintura, a barriga. Ao chegar ao peito, ouviu um estalo e viu que sua canela estava quebrada, partida ao meio, mas não se importou. Passou o tórax devagar, sentindo-se estranhamente nostálgica. Os seios se foram, os braços se foram, o pescoço se foi. Deu uma última olhada à sua volta, inspirou pela última vez o ar perfumado pelos jasmins do quintal da casa do vizinho e, de súbito, encaçapou-se no enorme buraco do seu pé esquerdo, já tão deformado, desaparecendo.

A noite tomara o céu, enegrecendo-o e o sangue no prego enferrujado brilhava frio sob a luz tremelicante de um poste ali por perto.

8 de janeiro de 2008

Gênese

Não encontrei nada mais propício para a primeira postagem que um poema sobre a criação do mundo. Ele foi escrito depois que encontrei no Peixe de Aquário, meu blog poético preferido, um desafio, que era criar um "poema sobre a formação do mundo em 2 linhas". Taí:


Quase

Deus fez a gangorra baixar pra desistir.
O mundo caiu do seu bolso. Equilibraram-se.

4 de janeiro de 2008

apresentando-me

Oi. Meu nome é Gustavo e este é o meu primeiro blog. Eu sempre fui avesso a blogs. O que me fez criar um agora é que o orkut não tem mais o que eu procuro, que é um meio que discuta, com freqüência diária, assuntos relacionados a literatura e, principalmente, a poesia contemporânea.

Como tenho que me apresentar aos blogueiros de alguma forma e dar movimento a esse blog, também vou usá-lo para escrever poemas e contos. Porém esse vai ser o meu maior problema, já que eu escrevo como um hipopótamo bocejando. Meus poemas são gestados em gravidez de elefante. E ainda, da mesma forma que qualquer paquiderme, sou ferozmente cioso pelas minhas crias. Então só serão divulgadas aquelas que têm alguma deficiência nalguma pata ou nalgum verso; as menos preciosas. Vamos ver no que dá.

Mas esse não é um blog com referências paquidérmicas e sim culinárias. Explico. Angu é como uma única pessoa me chama, um primo de um amigo, que eu quase nunca vejo. É um apelido legal, confesso. A sonoridade é incrível. Daí que resolvi usá-lo aqui, criando um pequeno joguinho de palavras e significados e ficou "angu de novo".

Então eu sou poeta. Aspirante a, imagino. Ainda assim, pelo que pesquisei e li, sou o melhor poeta da minha cidade. E o mais bonito.

Mas chega de apresentações porque tenho que entender as configurações disso aqui. Depois, muito depois, eu escrevo alguma literalidade. Vou conhecer pessoas, antes. De qualquer forma, bem-vindos.