30 de janeiro de 2008

Noite de Lua Cheia

Vampiros descem voando em espirais.
Apossam-se do meu corpo e, ensaiando,
famintos, a ávida e trágica matança,
fazem meu sangue e meu corpo estraçalhado
jorrarem terríveis sob o luar.

O que resta, apenas, é a chuva vermelha
que pinga das ébrias garras assassinas
que levantam vôo cantando ruidosas maldições.

28 de janeiro de 2008

sorrir

é abrir os cantos da boca como braços
que se erguem alegres a esperar o enlaço
do amigo que se agarra ao pescoço como
gracejo ou elogio saído de outros lábios.

24 de janeiro de 2008

Lenda

Era o bicheiro mais conhecido da cidade.
Nunca perdia uma aposta. Não gastava um ás.

Um dia apareceu um desafiante
de bigode, chapéu, falador e tudo.
Ele derrotaria o bicheiro e passaria a mandar na cidade toda.

Colocaram as cartas na mesa.
O Bigode, blefador, pediu truco.

A cidade só viu o falador se enfumaçar
quando, triunfante,
o Bicheiro gritou furioso na orelha de um seis de paus.

20 de janeiro de 2008

Domingo

Numa manhã ensolarada de domingo, com pássaros piando e vizinho fazendo churrasco, eu tiro a camisa, abro uma latinha de cerveja, esvazio a latinha de cerveja e abro outra, pego o macaco e a chave de roda, suspendo meu Gol 97, troco as quatro rodas por quatro foguetóides supersônicos, tranco a casa, me despeço do vizinho, termino a cerveja, dou partida e acelero. Vou morar numa cidade flutuante.

18 de janeiro de 2008

a dança das aranhas

com a noite, aos pares
descem.
rodam, sonham, fingem,
tecem,
e, ao luar, um palco
pedem.

iniciam a dança.
flauta
docemente o vento
sopra;
e o úmido piano,
frio e
pesaroso orvalho,
chora.

passam toda a noite às
voltas,
as negras e harmônicas
sombras,

e os insetos ficam
tontos,
como mortos caem
tantos!
e, enlevados, dormem
quando
as aranhas dançam
tango.

16 de janeiro de 2008

Fuga em Si Menor para Gato de Rua

Pulou fugido do bolso falso de um malandro,
correu depressa pelas ruas arredias,
despistou-te com ajuda dos seus santos,
subiu num muro alto e,
todo cínico, se fingindo de inocente,
aninhou-se, ronronando à luz dos postes
e lambendo todo o espaço percorrido.

14 de janeiro de 2008

Bambolê

Quando minha mãe estava com nove
meses de gravidez e eu não dava sinais
de querer sair,
ela foi ao obstetra e ele lhe deu
um bambolê.

Disse, senhora, comece a bambolear.
Minha mãe, confusa mas submissa,
colocou o arco de plástico
na cintura e começou a remexer-se.
Saracoteia, saracoteia, saracoteia.
Quando menos esperava,
do meio das pernas dela
eu desci escorregando e dando risada da brincadeira.

10 de janeiro de 2008

Um prego

Ela corria de chinelos pela rua asfaltada. Sem pressa, distraída, corria para sentir a energia do seu corpo fluir pelas pernas magras e compridas. Era entardecer de quinta-feira e o céu colorira-se de vermelhos e amarelos que se misturavam e criavam uma bela e triste despedida para o sol quase ausente. Estava a quatro ou três metros do portão branco de casa quando pisou na calçada do vizinho gordo e solitário que reformava sua garagem e, imediatamente, sentiu uma dor terrível que enfiava, impiedosa, no seu pé esquerdo, um prego enorme que rasgou facilmente a maciez da borracha do chinelo e da carne branca do seu delicado pé.

Da dor seguiu-se um grito visceral, alto e agudo, que assustou e fez voar três pardais que se balançavam nos fios elétricos. O sangue derramava-se quente e ininterrupto pela calçada tomada de rachaduras e manchava, indolente, as plantinhas que brotaram dessas pequenas frestas. Ela, então, sentou no chão, pegou o pé ferido com as duas mãos e levou-o bem próximo aos seus assustados, mas curiosos, olhos castanhos. Segurou o prego torto e enferrujado, fechou os olhos franzindo todo o rosto, e, com um puxão, arrancou-o, fazendo jorrar ainda mais sangue pelo buraco no seu calcanhar. Assim que o prego saiu, jogou-o o mais longe que conseguiu (o que não é realmente longe) e xingou baixinho o vizinho gordo, bicha, retardado, filho-duma-puta.

O sangue a fascinava, mas, por não cessar, estava deixando-a preocupada. Pôs o indicador direito sobre o buraquinho e pressionou. Isso fez com que o sangramento estancasse, mas ela apertara mais do que deveria e o dedo entrou no buraco, alargando-o mais ainda. Assustada, destampou o furo e o sangue espirrou direto no seu rosto, entrou nos olhos e a cegou. Ela se desesperou e não conseguia se decidir se colocava de novo o dedo no buraco ou se limpava os olhos para voltar a ver. Percebendo que quanto mais demorasse a se resolver mais sangue perderia, tateando, enfiou com força o indicador no pé e depois esfregou o braço esquerdo no rosto, melecando-se mais ainda, porém tirando o excesso de sangue dos olhos e voltando a enxergar.

No entanto, por ter tapado o buraco com violência, o dedo inteiro entrara e o ferimento ainda vazava. O jeito seria colocar o dedo médio, e foi o que ela fez. Cuidando para não alargar demais o furo, foi enfiando devagar, até ele entrar todo. Achando tudo isso muito peculiar e ignorando a dor lacerante, quis juntar aos dois o anelar, mas esse não entrou facilmente e ela teve que forçar com a outra mão para introduzi-lo. Depois desse, o mindinho entrou escorregando. Sorriu.

Enquanto o céu escurecia, ela ia forçando e forçando até a mão inteira entrar no buraco do seu pé. Sentia seus dedos se mexendo dentro de si, tocando tendões e músculos e até conseguia vê-los na altura do tornozelo quando pressionava a pele com força. Então, deslocando a tíbia, empurrou todo o antebraço e parou no cotovelo. Já nem sangrava mais. Dobrou um pouco o braço e colocou a outra mão. Deitada na calçada do vizinho preparou-se para fazer um esforço descomunal e enfiar o braço esquerdo, mas ele entrou deslizando, como se estivesse ensaboado.

Para pôr a perna direita, ela afastou os braços e meteu-a bem no meio, abrindo caminho com o pé por músculos, ossos, tendões, veias e artérias, facilitando a entrada. Chegou à virilha exausta, toda suada, ofegante. Sentiu que seria a parte mais difícil de enfiar e que em seguida tudo entraria sem maiores dificuldades.

Arreganhou seu pé o máximo que pôde e foi entrando. Passou a bacia, a cintura, a barriga. Ao chegar ao peito, ouviu um estalo e viu que sua canela estava quebrada, partida ao meio, mas não se importou. Passou o tórax devagar, sentindo-se estranhamente nostálgica. Os seios se foram, os braços se foram, o pescoço se foi. Deu uma última olhada à sua volta, inspirou pela última vez o ar perfumado pelos jasmins do quintal da casa do vizinho e, de súbito, encaçapou-se no enorme buraco do seu pé esquerdo, já tão deformado, desaparecendo.

A noite tomara o céu, enegrecendo-o e o sangue no prego enferrujado brilhava frio sob a luz tremelicante de um poste ali por perto.

8 de janeiro de 2008

Gênese

Não encontrei nada mais propício para a primeira postagem que um poema sobre a criação do mundo. Ele foi escrito depois que encontrei no Peixe de Aquário, meu blog poético preferido, um desafio, que era criar um "poema sobre a formação do mundo em 2 linhas". Taí:


Quase

Deus fez a gangorra baixar pra desistir.
O mundo caiu do seu bolso. Equilibraram-se.

4 de janeiro de 2008

apresentando-me

Oi. Meu nome é Gustavo e este é o meu primeiro blog. Eu sempre fui avesso a blogs. O que me fez criar um agora é que o orkut não tem mais o que eu procuro, que é um meio que discuta, com freqüência diária, assuntos relacionados a literatura e, principalmente, a poesia contemporânea.

Como tenho que me apresentar aos blogueiros de alguma forma e dar movimento a esse blog, também vou usá-lo para escrever poemas e contos. Porém esse vai ser o meu maior problema, já que eu escrevo como um hipopótamo bocejando. Meus poemas são gestados em gravidez de elefante. E ainda, da mesma forma que qualquer paquiderme, sou ferozmente cioso pelas minhas crias. Então só serão divulgadas aquelas que têm alguma deficiência nalguma pata ou nalgum verso; as menos preciosas. Vamos ver no que dá.

Mas esse não é um blog com referências paquidérmicas e sim culinárias. Explico. Angu é como uma única pessoa me chama, um primo de um amigo, que eu quase nunca vejo. É um apelido legal, confesso. A sonoridade é incrível. Daí que resolvi usá-lo aqui, criando um pequeno joguinho de palavras e significados e ficou "angu de novo".

Então eu sou poeta. Aspirante a, imagino. Ainda assim, pelo que pesquisei e li, sou o melhor poeta da minha cidade. E o mais bonito.

Mas chega de apresentações porque tenho que entender as configurações disso aqui. Depois, muito depois, eu escrevo alguma literalidade. Vou conhecer pessoas, antes. De qualquer forma, bem-vindos.